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8.3.07

 

MULHERES

Há tempos diz-se por aí que mulheres e humor não têm absolutamente nada em comum. Afirma-se, com uma propriedade quase acadêmica (eu arriscaria dizer religiosa), que a mulher não tem vocação para abrir lata de picles, estacionar o carro ou fazer rir. E assim é falado desde que o homem é homem. Ou seja, faz tempo mesmo. Homens "homens" hoje em dia são tão comuns quanto o E.T. de Varginha ou o Chupa-cabra: há quem jure que existem, mas parece que é só boato mesmo.

A falta de homens "homens" serve ao menos para desmentir quem afirma que teses assim são puramente machistas e ponto final. Nada disso. Muitas mulheres pensam da mesma forma, o que não atenua o óbvio preconceito encruado nesta lógica de botequim. Apontar a distância entre mulheres e o humor é, acima de tudo, incorreto. Humor não é comédia, e isso gera muita confusão. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O que difere um do outro é a necessidade da presença.

O humor não faz força. O humorista escreve, pinta, desenha e conspira com qualquer arma que preserve sua integridade física, sua timidez, uma pose inabalável ou até o fundo das calças. O comediante não. O comediante sua, atua, se caracteriza, aparece. Põe, muitas vezes literalmente, a bunda na janela pra passarem a mão nela.

Esclarecido isso, afirmo: mulheres e comédia não têm, definitivamente, nada a ver. Contudo, eu não seria leviano em afirmar que nunca existiu uma excelente mulher comediante. Sim, existiu - e existem -, mas diante de um cenário maior, posso dizer, sem peso na consciência, que são as exceções que comprovam a regra. E explico o porquê. O comediante é o bobo, o bufão, o palhaço. A mulher não. Nessa Corte a mulher é a rainha. Enquanto o comediante se faz valer da troça, da falta de vergonha e até mesmo da feiúra, a mulher veio ao mundo com o dom da vida, da elegância e da beleza. Não me refiro evidentemente à beleza plástica de uma Gisele Bündchen ou da Paola Oliveira (ai, ai...), falo da beleza inerente ao ser mulher, ser o berço do amor, ser a descendência de todas aquelas deusas gregas cujos olhares conquistavam mundos, cessavam guerras ou despistavam o destino.

Acontece que sorrir e fazer rir são também dons da vida, e, como tais, esculpidos com maestria pelas mulheres. A diferença é que, ao contrário dos homens, a mulher fabrica o riso da mesma maneira que sorri: sem planejar. Ela dirige esse poder com a mesma facilidade com a qual ajeita os próprios cabelos. É suave como respirar. Tanto é que, basta fecharmos os olhos, para várias imagens de doces mulheres sorrindo nos virem à cabeça. Freud explica.

Nós homens até conseguimos arrancar alguns suspiros e algumas gargalhadas delas, é verdade. Mas só quando elas querem. São como gatas: só se deixam acariciar no momento que desejam. Mas quando se aproximam charmosas, não há quem não se comova. Não importa a raça, não importa a origem, não importa a idade.

Poderia citar inúmeros exemplos de mulheres que fazem rir sem se desdobrar. Entre eles, a pequena Carolzinha, de tenros 5 anos. Filha de uma cliente da minha mãe (que é endocrinologista), chegou em nossa casa durante um fim de semana. Consulta fora de hora. Como estávamos só eu e minha mãe no apartamento – eu tinha uns 13 anos –, coube a mim fazer o papel de anfitrião daquela pequena criatura. Apesar da adolescência, foi um prazer fazê-lo. Sempre gostei de crianças, animais e animais-crianças. Só fico com pé atrás com crianças-animais. E a pequenina Carol estava, à primeira vista, longe de parecer uma peste.

A menininha era linda e estava linda. Não sei se a Bia Seidl foi criança um dia (afinal, quando eu era criança – e faz tempo isso –, ela já era a Garota Lux Luxo), mas se foi, deveria ser parecida com a Carolzinha. Pele clarinha indefectível, olhos repletos de ternura, vestidinho branco com detalhes de florzinha, sapatinho vermelho de boneca, pregador de joaninha segurando uma delicada franjinha lisa de cabelos castanhos e um batom vermelho nos lábios infantis. Michael Jackson viraria hétero por ela. Pode apostar. E para satisfazer aquela princesinha, coloquei meu lado recreador para funcionar e perguntei:

- "Oi lindinha! Tudo bem?"

Carol não respondia. Mas não havia medo ou receio da parte dela. Apenas levava as próprias mãos à boca como se quisesse engolí-las de vergonha ou esconder um pequeno sorriso que queria brotar ali.

- "Você quer que o tio ligue a televisão pra você ver desenho animado?" – insisti.

Ela não respondia. Mas senti que estava seguindo o caminho certo. Tinha de perguntar mais.

- "Você quer papel e canetinha para desenhar?"

Nada.

- "Você quer ver uma revista?"

Não.

- "Você quer ver o 'au-au'?"

Nein.

- "Você quer um bolinho?"

Contato visual. Era um sinal.

- "Você quer um nescauzinho?"

Continuei na área gastronômica. As mãozinhas dela saíram da frente da boca.

- "Você quer uma Coca-Cola?"

Na mosca! Ela acenou um "sim" com a cabeça. Queria, pelo visto muito, uma Coca-Cola. Logo pensei no poder que o refrigerante já tinha sobre os pequeninos ou que na casa dela deveria existir aquele regime de "Coca-Cola só aos finais de semana", mas não quis nem saber. Era importante criar uma cumplicidade com o elemento até o fim da consulta que ocupava as mães na parte de cima do apartamento (era um duplex).

Fui até a cozinha e peguei o único copo da casa que tinha um desenho do Mickey. Souvenir da Disney ou promoção de requeijão, não lembro. Só sei que o copo, apesar de antigo, certamente a agradaria. Enchi de Coca-Cola gelada e levei até a mocinha. Com as mãozinhas delicadas ela segurou o copo, mas não bebeu. Lembro até hoje das pequenas unhas pintadas. Uma graça. Vi que ela ficou novamente tímida e fiz que voltaria até a cozinha, virando de costas, mas acompanhando o que ela fazia com o canto dos olhos. Funcionou. Ela começou a beber.

Missão cumprida. Parei no meio do caminho para ver alguma coisa que me chamou a atenção no caderno de esportes do Jornal do Brasil (naquela época ainda era jornal) e, 10 segundos depois, aconteceu.

Lembram quando disse que a pequena Carol não parecia uma criança-animal? Ledo engano. Não sei se hipopótamos emitem algum som durante uma luta ou quando pretendem acasalar, mas se emitem, não se compara ao arroto que a pequena e "frágil" (muitas aspas) Carolzinha desferiu. Um arroto encorpado, macho, contínuo, denso. Um arroto tão imponente que, poderia jurar, moveu algumas louças da casa, fez os pombos das redondezas decolarem, causou pequenos acidentes de trânsito e, por fim, ecoou. Sim, ecoou.

Carolzinha manteve-se ali, impassível, engessada. Nem surpresa o pequeno demônio demonstrou. Demorou outros 10 segundos depois do golpe para que alguém dissesse algo:

- "Antonio Pedro!". Elementar: era minha mãe, lá de cima, em tom de esporro. "Será que nem quando estou com visita em casa você se comporta? Francamente!"

O que dizer? O que fazer? Como agir?

Eu ainda olhava fixamente para os olhos de Carol quando respondi para minha mãe, atônito... fúnebre:

- "Desculpe... mãe... escapou."

Ainda tive de aturar a mãe da pequenina me olhando torto quando saía de casa. E Carol, pelas costas da mãe, sorriu. Era humor. Era cúmplice. Sarcástica aos 5 anos. Quando crescesse, seria talvez como uma das maiores provas da intimidade entre humor e mulheres que conheci: minha avó Lucy (que Deus a tenha). Isso mesmo. Minha avó Lucy.

O ano era 1993 e eu, moleque que sou, depois de passar pelo Colégio Santo Inácio, estudava no Santa Rosa de Lima pela manhã e fazia pré-vestibular à noite em Copacabana, bairro da minha avó e de pelo menos 70% das avós de todo o planeta. Aliás, quem mora no Rio de Janeiro sabe que Copacabana é o bairro de três conjuntos: o das idosas, o das prostitutas e o dos travestis. E antes que me perguntem, respondo: sim, existem interseções, mas minha avó não fazia parte delas, certo?

Como eu morava em Botafogo, ia e voltava de ônibus: o glorioso 571, Leblon – Glória. A última aula acabava tarde da noite e meu estômago, outrora juvenil, urrava. Estômago urrando perto da casa da vovó é batata (batata, bife, pudim, mousse, bolo, etc.). Eu saía do curso e fazia uma boquinha lá. Como o curso era de segunda à sexta, o ritual ficou sacramentado. Dia útil era dia de dormir de barriga cheia. E assim foi até uma noite na qual minha avó não atendeu à campainha.

Fiquei preocupado. As luzes do apartamento acesas e uma senhora de idade, viúva, morando sozinha, não respondia aos apelos daquela campainha histérica durante vários minutos. Não poderia ser um bom sinal.

Quando estava quase desistindo e cogitando medidas drásticas, a portinhola (aquela pequenina que servia como um "olho mágico" das antigas) abriu. Lá de dentro aquela senhora baixinha, obesa, míope, filha de portugueses e mãe de minha mãe, perguntou com uma voz autoritária e ranzinza:

- "O que você quer aqui, hein?"

Pronto. A velha tinha esclerosado de vez, pensei.

- "Como assim, vó? Sou eu. Antonio Pedro."

Ela continuou de pé, atrás da porta trancada, séria, me fitando por uns três intermináveis segundos quando novamente perguntou:

- "Sei. Mas o que você quer?"

- "Vó, tá maluca? Eu venho aqui todo dia e hoje você vem me perguntar o que eu quero? O que há, hein?"

- "Espere aqui."

Ela fechou a portinhola sem cerimônia, manteve a porta fechada e, pelo som de seus passos de pantufas da Sapasso, pude perceber que ela se dirigia novamente para a sala. Fiquei perplexo. Para aliviar um pouco minha tensão (ou seria a dela?) cheguei a ensaiar um "Raposa de fogo!" ou um "Cisne vermelho!" para quando ela voltasse. Como se fosse a senha de uma irmandade ou algo do gênero. Imediatamente desisti porque minha avó não entenderia a piada.

Alguns minutos depois, os sons das pantufas voltaram. Desta vez, no entanto, vinham acompanhados pelo som do molho de chaves. Para meu estômago – e para o Hermeto Pascoal – um som quase musical. Ainda tive tempo de pensar numas setenta hipóteses para aquele comportamento bizarro de Dona Lucy enquanto a porta era destrancada (minha avó tinha, pelo menos, 10 trancas em cada porta do apartamento, incluindo as dos quartos, banheiros, dispensa e gavetas em geral). Quando a maçaneta moveu-se e a porta abriu, a figura de minha avó surgiu de novo pelo vão que a correntinha, a última das trancas, permitia. Ainda séria, ela me disse:

- "Preciso de sua ajuda."
- "O que houve, vó? Por que você não me deixa entrar de uma vez?"
- "Eu vou deixar você entrar, mas você vai ter que jurar que, enquanto eu estiver viva, não vai contar isso pra ninguém."
- "Isso o quê, vó?"
- "Jure."
- "Eu juro."
- "Jura de novo."
- "Juro ué!"

Saiu a correntinha. A porta se abriu e naquele momento minha fome já nem era mais avassaladora. Queria saber o que estava acontecendo. Era a minha curiosidade canceriana em ação. Entrei no apartamento e, enquanto caminhávamos lentamente (minha avó só caminhava lentamente) até a sala, ela me explicava gesticulando:

- "Você sabe que outro dia eu disquei ("disquei" é muito velho, né?) para a Tele-Rio e encomendei esse vídeo-cassete, né?"
- "Sim, e..."
- "E aí que, no Natal, seu tio deixou aqui uma fita com a gravação do aniversário da sua prima."
- "E daí?"
- "E daí que eu fui ver a gravação, mas acho que coloquei a fita errada. Tentei tirar mas até agora não consegui."
- "E você me deixou esperando lá fora por causa disso?"
- "É que a fita é uma dessas que seu irmão deixa aqui."

Bingo Copacabana! Era um pornô! Até hoje me lembro do filme: "Kasha’s Friends", um clássico. Comecei a rir e minha avó, que já mais tranqüila (ou conformada, rendida, sei lá), não sabia se ria comigo ou se mantinha a pose da moral e dos bons costumes. Manteve a pose.

Larguei a mochila e fui até o aparelho. O vídeo estava lá, pausado (sem trocadilhos), e a TV desligada. Quando a liguei para descobrir em que pé (eu disse pé!) estava a fita, surgiu a imagem de uma ruiva fazendo sexo oral num ator que, pelo… hã… ângulo… devia ser louro.

A morbidez me obrigou a olhar para minha avó e ver a reação dela. Até hoje lembro: com desprezo, um pouco de nojo e aquele boquete refletido nas grandes e grossas lentes de seus óculos, Dona Lucy afirmou num tom épico à Scarlett O’Hara:

- "Que horror! Seu avô nunca me obrigou a fazer isso com ele!"

Obrigado, vó, obrigado. Obrigado Carolzinha. Com a experiência (ou falta de) de uma e a juventude de outra, pude finalmente me dar conta de uma grande pista divina que nos foi passada através dos tempos e que poucos desvendaram.

Se a mulher veio mesmo da costela de Adão, não deve jamais estar acima ou abaixo do homem. Mas sempre ao lado. Bem ali onde sentimos cócegas. Bem ali onde nos fazem rir como bobos, como bufões, como palhaços.